Preservação e recuperação da vegetação na bacia do Rio Miringuava podem gerar R$ 71,5 milhões em benefícios econômicos
Estudo inédito do movimento Viva Água demonstra que bacias hidrográficas com vegetação preservada tornam-se mais resilientes em períodos de estiagem
Cobertura vegetal também é eficaz para reduzir os sedimentos que chegam ao rio, contribuindo para a qualidade do abastecimento de água e reduzindo custos de tratamento
Para cada R$ 1,00 investido em intervenções para a restauração e recuperação de áreas estratégicas da bacia do Rio Miringuava, o retorno previsto será de R$ 2,46
Estudos compilados na publicação “Soluções Baseadas na Natureza e seu papel na promoção da resiliência climática, segurança hídrica e geração de benefícios econômicos” demonstram como a conservação do solo e a preservação e recuperação da vegetação natural podem ampliar a disponibilidade hídrica na bacia do Rio Miringuava, manancial localizado em São José dos Pinhais que fornece água para o Sistema de Abastecimento Integrado de Água de Curitiba e Região Metropolitana, além de gerar benefícios econômicos de R$ 71,5 milhões e contribuir para a adaptação e mitigação das mudanças do clima. A publicação elaborada pelo movimento Viva Água, em parceria com o Projeto ProAdapta e a Sanepar foi lançada na última semana, em evento direcionado ao setor empresarial de São José dos Pinhais.
O primeiro estudo, realizado pela consultoria Aquaflora Meio Ambiente, analisou a base histórica de disponibilidade hídrica em quatro bacias hidrográficas do Alto Iguaçu (Rio Pequeno, Rio Miringuava, Rio Palmital e cabeceiras do Rio Passaúna) para avaliar a importância da cobertura vegetal nativa para a captação e manutenção da água no solo. A análise, com dados entre 1985 e 2020, confirmou a hipótese de que bacias com vegetação mais preservada são capazes de manter um fluxo de água regular durante épocas de estiagem.
A análise demonstrou que durante períodos mais secos, os rios localizados em bacias mais conservadas apresentaram uma redução de suas vazões mínimas entre 6% e 11%, enquanto na bacia com a menor cobertura de vegetação nativa, a redução média foi de 52%. “Podemos concluir que o desmatamento das bacias causa alterações significativas nos regimes dos rios, o que compromete o abastecimento da população e o uso da água pela agricultura e indústria, entre outros setores. Garantir a qualidade e a quantidade de água é essencial para o bem-estar da população e a manutenção de importantes atividades econômicas. A conservação da natureza é fundamental para isso”, afirma Guilherme Karam, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, idealizadora do movimento Viva Água.
Karam lembra que a comparação entre oferta e demanda de água não deixa dúvidas de que a Região Metropolitana de Curitiba vive um estresse hídrico. Entre 2020 e 2021, a região passou por 649 dias de rodízio, devido à seca mais severa vivida nos últimos 90 anos. “Qualquer pequena alteração causada no sistema, tanto pelo aumento do consumo quanto pela diminuição da oferta de água disponível, deve gerar escassez de água para a população local e para o setor produtivo”, pontua Karam.
O foco principal do estudo foi o Rio Miringuava, com simulação de dois cenários climáticos para os próximos 30 anos, um mais úmido e outro mais seco, considerando ainda as intervenções necessárias para a recuperação de áreas naturais estratégicas que podem influenciar os serviços ecossistêmicos que a bacia presta, como o fornecimento de água.
Enquanto o cenário mais seco traz riscos para o abastecimento por conta da escassez de chuva, o cenário mais úmido, no qual ocorrerão chuvas mais intensas em um curto espaço de tempo, poderá agravar o carreamento de sedimentos e poluentes para os rios da bacia, afetando a qualidade da água disponível, além de provocar potenciais prejuízos com enchentes.
O estudo indica que o uso de diversas Soluções Baseadas na Natureza é capaz de aumentar de 2,2 milhões até 2,7 milhões de metros cúbicos por ano de água infiltrada no solo, além de reduzir de 49% a 56% o aporte de sedimentos nos rios e no reservatório do manancial, gerando redução dos custos de tratamento de água.
Considerando-se um consumo médio diário por domicílio de 422 litros por dia, conforme indicado no Plano Diretor do Sistema de Abastecimento de Água Integrado de Curitiba e Região Metropolitana (Saic), da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), somente este potencial acréscimo na produção de água seria suficiente para abastecer de 14.300 a 17.500 domicílios durante um ano inteiro.
As intervenções propostas pelo movimento Viva Água somadas às ações de compensação ambiental pela construção da barragem do reservatório Miringuava da Sanepar também devem reduzir a turbidez da água entre 50% e 61% e aumentar o estoque de carbono no solo entre 208 mil e 238 mil toneladas de carbono. Entre as soluções que podem ser aplicadas na região estão a recuperação de matas ciliares, a restauração da vegetação nativa em áreas de recarga hídrica, a conservação de solos agrícolas mediante proteção constante de sua cobertura e práticas de agricultura sustentável.
“Por outro lado, os dados disponíveis atestam que, se nada for feito, pode haver um aumento de até 20% na sedimentação do Rio Miringuava e a redução dos fluxos subterrâneos diminuiria drasticamente as recargas dos lençóis freáticos para os rios da bacia, com impactos negativos principalmente nas vazões de estiagem”, observa Karam. Considerando que uma caçamba de terra contém aproximadamente cinco metros cúbicos, a quantidade de sedimentos que as ações do movimento evitariam que chegassem aos rios e ao reservatório do manancial poderia encher entre 14 mil e 17 mil caçambas.
Retorno econômico
O segundo estudo que integra a publicação, realizado pela Kralingen Consultoria, teve como objetivo analisar o custo-benefício das ações de adaptação à mudança do clima previstas pelo movimento Viva Água para a Bacia do Rio Miringuava. Considerando uma média entre os cenários de implementação das ações propostas pelo movimento, apontados pelo primeiro estudo, além das mudanças do clima, que preveem alterações no volume das chuvas, os benefícios provenientes das intervenções alcançam R$ 71,53 milhões em valor social presente líquido (VSPL), indicador utilizado para avaliar projetos de investimento, diante da contrapartida de R$ 29,09 milhões em custos para a implementação e manutenção das intervenções sugeridas pelo movimento.
“O resultado da análise de custo-benefício demonstra plena viabilidade econômica para a realização das intervenções planejadas pelo Viva Água. Os cálculos mostram que os investimentos proporcionam um retorno de 2,46 vezes mais benefícios para a sociedade do que os custos. Em outras palavras, a cada R$ 1,00 investido nas ações do movimento pode-se esperar a obtenção de R$ 2,46 em retorno aos diversos atores locais, às indústrias, à população do município de São José dos Pinhais e à sociedade como um todo”, salienta Luciana Alves, assessora técnica do Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), instituição responsável pela implementação do Projeto ProAdapta.
A identificação, quantificação e valoração desses benefícios foram separadas em dois grandes grupos: os benefícios socioeconômicos e os benefícios derivados da melhoria dos serviços ecossistêmicos. A análise de custo-benefício realizou a valoração de 16 benefícios agrupados em seis grandes categorias: agricultura sustentável; retenção de carbono; regulação hídrica; retenção de sedimentos; negócios sustentáveis; e associativismo e cooperativismo. Também foram consideradas as ações de compensação ambiental da Sanepar, compondo um conjunto de Soluções Baseadas na Natureza para a bacia hidrográfica do Miringuava.
As projeções dos benefícios estão distribuídas entre os serviços ecossistêmicos de retenção de sedimentos – que representam 21,6% do valor; os serviços de regulação hídrica (41,7%) e os serviços de captura de carbono (36,7%). Esse valor poderia ainda ser acrescido dos benefícios não quantificados e valorados dos serviços ecossistêmicos de retenção de nutrientes e de redução de erosão. Também não foram calculados ganhos possíveis com a melhoria da qualidade de ecossistemas aquáticos, ganhos para a biodiversidade, além de ganhos para fins de turismo e lazer pela menor turbidez da água.
Projeção dos benefícios gerados:
O estudo considera como premissas para calcular os benefícios econômicos fatores como a elevação dos níveis de renda local; aumento da qualidade dos produtos hortifrutigranjeiros produzidos devido às técnicas mais adequadas de manejo do solo, de insumos e da água; melhoria do acesso aos mercados dos produtos locais devido ao diferencial de sustentabilidade da produção; aumento das atividades turísticas e de lazer praticadas na região; e criação de oportunidade de novos negócios, como as cooperativas organizadas capazes de beneficiar produtos produzidos localmente.
Sobre o Movimento Viva Água
Idealizado pela Fundação Grupo Boticário e composto hoje por 15 instituições parceiras, o movimento Viva Água surgiu em 2019 com o objetivo de reunir atores estratégicos que atuam na Bacia do Rio Miringuava, um dos principais mananciais da Região Metropolitana de Curitiba. A partir de iniciativas de conservação da natureza e de empreendedorismo sustentável, o movimento promove ações que contemplam a recuperação da vegetação nas margens dos rios, a capacitação de produtores rurais em modelos de agricultura mais sustentável e o incentivo a atividades econômicas de impacto socioambiental positivo, como o turismo rural.
A Bacia do Miringuava beneficia diretamente cerca de 600 mil pessoas da Região Metropolitana de Curitiba, além de empresas e indústrias de diferentes portes e setores econômicos. A bacia também é um importante polo de produção agrícola, respondendo por 70% de toda a distribuição de hortifruti do município de São José dos Pinhais. Isso é possível graças a características como abundância de água – por ser uma região de manancial – e temperaturas amenas, permitindo o cultivo de frutas e verduras durante todo o ano.
Inspirado na experiência paranaense, o Viva Água também chegou à região hidrográfica da Baía de Guanabara em dezembro de 2021. O movimento pretende fortalecer a segurança hídrica em toda a região, que engloba 17 municípios, promover a adaptação às mudanças climáticas e fomentar o empreendedorismo sustentável.